Depois do que fui, depois do que sou

As vagas e corriqueiras impressões de que o tempo passa, essas impressões ficam com formas cada vez mais nítidas, e tanta coisa pode ser contada em dedos e tantas outras que eu perco a conta… Foram dias e meses atípicos. Mas onde está a tipicidade quando se decide viver vivendo, mesmo querendo antecipar coisas e mesmo querendo prever futuros? Onde está a tipicidade quando o que conta são os desvios sofridos/provocados que levam a cantos e dobras antes impensáveis? Sim, mesmo assim, meses atípicos, numa espiral de atipicidades que fazem mover pequenas placas tectônicas. Essa deriva continental, essa deriva insular, se assim pudesse eu descrever, são inconstâncias e irreversibilidades que redesenham vontades, ardências, sonhos, movimentos que tendem à transformação de um sempre que não se define, de um hoje que não se congela, de um antes não arquivado, de um antes que pulsa na emergência do hoje, de um hoje que projeta as incertezas de um depois.
Depois do que fui e depois do que sou exatamente agora, todas essas coisas não envelopadas e não solapadas por qualquer marca indelével, descrevem e desenham quaisquer esboços em cores. Essa indelebilidade é débil, e eu não a quero. Porque não há coisa que possa ser mantida cristalizada no tempo. Eu quero a debilidade do deleite, eu quero a incongruência do que se pode inflar e desinflar, mesmo não morrendo, eu quero essa potência de vida que faz e refaz esses depois. Depois de agora, outra coisa que não essa, e mesmo assim ainda como se fosse antes, porque podemos nos reconhecer mesmo sem essas raízes, raízes, raízes, que insanas essas raízes!
Quando as coisas parecem tender à catástrofe, eu titubeio, engasgo, escrevo estranho, penso ao contrário, corro devagar, lambo cotovelos, mesmo não podendo. E é como se tudo pedisse um pouco mais de solicitude. Eu presto atenção nesses dias, eu olho pra trás mesmo esquecendo tanta coisa, e costuro qualquer pedaço de memória noutra memória, invento coisas e falseio qualquer ânsia. Mesmo assim, eu não me engano, até quando achar que devo ou posso. Depois do que sou, continuo sendo, não somente esse sendo, mas sendo a outra coisa que não seria se não fosse desse jeito, agora, como está, e logo mais, outro antes reinterpretado na potência do hoje. Eu me misturo, nos misturamos na irreversibilidade do tempo e na possibilidade das lembranças que nos mantêm – mas não nos conservam estanques – na duração da vida.
O tempo, sempre ele, em letras minúsculas, em letras garrafais, em sons, em toques apenas. O tempo, nós dois, todos nós, no tempo do que se pode viver. Dessas possibilidades, dos nossos acontecimentos, dos vinte e cinco anos, das pequenas lembranças, as vidas que já fomos, tempo, as vidas que seremos, dentro dessa vida, sempre transformando… Depois do que fui, depois do que sou, depois do que somos, depois do que seremos.

~ por sevegnani em 27/01/2014.

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